18/07/2011

Natércia Porto!





Naquela manhã de sexta feira, acordei antes que o bichinho da maçã acionasse o despertador. Tinha mala pra fazer, tomar banho, ficar pronto pra viagem em meia hora e ter sorte de chegar à rodoviária e encontrar passagem.


A noite de quinta, com o perdão do trocadilho, havia sido bem legal. Fui com uma amiga num aniversário de uma amiga dela, tipo essas coisas de amigo do amigo. Eu nem conhecia a garota, mas isso não importa. Dei muitas risadas, regadas a um bom vinho, comendo fondue de queijo, depois de chocolate, tudo uma delícia.  Acabei chegando tarde em casa, quase direto pra cama.


Com a mochila pronta e banho tomado, chamei um taxi, terminando de me vestir, contando os segundos. Cheguei com tempo, comprei passagem, embarquei. Ufa!


Da mochila, tirei o kit básico para a viagem: fone de ouvido, casaco, boné, óculos escuros, tudo pronto, pluguei o cinto de segurança, aguardando a partida. Mais um final de semana fora de Goiânia. Expectativa da festa e tudo mais. 


Já de aparelho na mão, escolhendo a trilha sonora para a viagem, observava atento as pessoas que entravam a bordo. Eis que de longe avisto uma simpática senhora conhecida, agora se apoiando numa bengala, mas trazendo no rosto a expressão de lucidez e força de que sempre foi portadora. Procurou por seu lugar, fez cara de paisagem em sinal de reprovação a gestos de pessoas deselegantes, que não respeitam idosos, se acomodou finalmente.


Eu olhava discretamente para aquela senhora, que não me reconheceu. Viajei no tempo. Voltei para o ano em que cheguei a Goiânia, naquela euforia de iniciar a vida acadêmica. Lembro exatamente o dia em que Natércia entrou na sala pela primeira vez.  A sua expressão provocadora agradou alguns e espantou a outros. Eu fiquei meio entre os que se sentiram provocados. 


Natércia Porto, (sim, é esse o sobrenome que não  nega  sua nacionalidade), era dessas professoras que mais se preocupava com aprendizado do que com métodos. Criticada e elogiada, alternadamente, se mantinha firme.


Das melhores lembranças que trago, destaco o costume que ela tinha de declamar os poemas de Fernando Pessoa com a eloquência e propriedades impressas em seu olhar com a expressão de verdade que me ganhou. Me lembro do poema que ela declamou e que decorei no dia seguinte, que foi o bastante para eu gostar do tal poeta português. Descrevo o poema abaixo, como homenagem a ela.



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive


Fernando Pessoa ( Ricardo Reis) 
Imagem de Vik Muniz, surrupiada aqui




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