Sempre me vem à memória imagens daquela velha senhora, De rugas no rosto, lenço velho na cabeça, sentada ao rabo do fogão de lenha, a resmungar mágoas, contar as suas estórias.
Em noites frias ardia em dores. As dores da ferida mortal numa das pernas, que de tão podre a carne, exalava odores. Ela chorava, amaldiçoava aquela mulher que teria lhe rogado tal praga por causa do marido.
Tinha as superstições mais comuns e as mais bizarras que uma velha de cara ‘emborralhada’ de cinza poderia ter. E era só alguém mexer com ela que começava as respostas, as rezas, os xingamentos, etc.
Rejeitada pelos netos de sangue que dela tinham nojo e vergonha, nos adotou como seus netos postiços, com as vantagens e dificuldades todas que se adquire nesse papel.
Oferecia doces, boas estórias e causos bem interpretados como paga pela a atenção de seus expectadores, tudo isso para aliviar o peso da solidão e amenizar a dor ao menos quando o sol brilhava. A noite os gritos eram de alguém que aos poucos ia sendo comido pela tal ferida. E foi assim mesmo que um dia ela morreu.
Dona luzia me prestou o importante papel de vó, pois não conheci nenhuma das minhas avós de sangue. Cumpriu bem o seu papel com agrados, conselhos, broncas e tudo mais.
Muitas vezes, em pensamentos, me vem a imagem forte daquela velha sofrida, doída, que quando cantava rasgava o silencio da sua casinha escura ao lado da nossa. O canto triste, de tão eloquente, soava poético. Canção de quem se agarrava a ultima fagulha de vida, todos os dias. Dona Luzia queria viver a qualquer custo, mas a ferida não a perdoou.